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Um Brasileiro Feliz

22.04.2006 – Por  Ricardo Kotscho

A 200 quilômetros do centro de São Paulo é possível encontrar um brasileiro feliz. À beira-mar plantado, este ano ele só foi uma vez à capital, o que ajuda a explicar a sua maneira mansa de encarar a vida e o mundo. Apesar de ser comerciante, só reclama quando o movimento do seu bar-restaurante aumenta muito, como nos feriados da Semana Santa, e ele é obrigado a se desdobrar para atender à freguesia.
Desde que largou a faculdade de Biologia e a loja de pneus que tinha em São Paulo, no começo dos anos 1980, Renato Krunfli, o Cotô, de 43 anos, iniciou uma carreira ao contrário, que sempre larga quando ameaça dar certo. Sem a juba que lhe rendeu o apelido de Cotonete na juventude, de onde lhe sobrou o Cotô, foi rodando o Brasil em busca de paz, não de fortuna.
“Você tá maluco? Quer me arrumar confusão aqui?” – reage ele quando lhe dou alguma sugestão para melhorar o movimento, fazer propaganda para atrair mais freguesia, aumentar o negócio. Numa terra em que as pessoas consideradas normais são desafiadas a sempre ganhar mais, subir na vida, levar vantagem em tudo, o amigo agradece com um sorriso, mas dispensa minha colaboração.
Ao chegar a Toque-Toque Pequeno, então uma pequena aldeia de pescadores no município de São Sebastião, no litoral norte paulista, havia lá apenas um pequeno camping, e o mundo do consumo se limitava ao “Huanas”, boteco de uma porta que vendia cerveja quente, cachaça ruim e peixe frito.
Cotô alugou o boteco, comprou um barco e virou pescador. Por necessidade, aprendeu a cozinhar. Quando a fama do seu bar chegou a Maresias, uma badalada praia próxima, e o movimento aumentou, ele pegou suas coisas e foi embora para São Sebastião, onde alugou um restaurante que servia a melhor caldeirada da cidade.
Tão boa era a comida do “Dom Armando” que a freguesia não parava de crescer, o que levou Cotô a tomar uma decisão mais radical. Cansado com o sucesso e depois de ser assaltado pela primeira vez, vendeu o ponto, colocou o pouco que tinha na caçamba de uma caminhonete D-20, chamou a Brite, uma boxer branca, e os dois foram subindo o litoral brasileiro, parando pelo caminho.
Levou três meses para chegar até a Bahia. Dedicou-se outro tanto de tempo ao ócio e, no caminho de volta, passando por Minas Gerais, ancorou em Monte Verde, uma belíssima paisagem no topo da Serra da Mantiqueira. Logo abriu um outro bar no meio do mato em lugar de difícil acesso, o que lhe garantia o sonhado baixo movimento.
Em 1998, estava de volta a Toque-Toque Pequeno, após uma rápida recaída em São Paulo, onde ganhava um bom dinheiro com uma representação de alimentos finos para restaurantes. “Um dia, surtei com o trânsito, o barulho, a poluição, sei lá, vim pra praia e não saí mais daqui.”
O mesmo velho bar estava novamente para ser alugado. Cotô mudou o nome para “Barracuda”, um peixe predador, e resolveu virar um homem sério. Deu uma bela ajeitada no lugar, casou-se com Débora, uma administradora de empresas que mora em São Paulo e vai visitá-lo com o filho deles nos finais de semana.
O segredo da felicidade é simples: “Ficar olhando o mar, pegar uma onda, uma noite de lua, dar um mergulho, cozinhar para os amigos e ver a família de vez em quando… Tenho até obrigação de ser feliz…”.
Sei que, em meio a tanta desgraça, pode até pegar mal contar a história de um brasileiro que confessa sua felicidade. O leitor poderá se perguntar: e eu com isso? A única coisa que posso fazer para ajudar mais gente a descobrir a beleza desse lugar, para desgosto do meu amigo Cotô, é entregar o endereço eletrônico:

www.barracudabeachbar.com.br

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